Por Marcus Tavares
Acompanho a saga de Tainá há muitos anos, desde quando a personagem estreou no cinema em live action e apresentou ao grande público uma heroína indígena forte, sensível e profundamente conectada à floresta. Ao longo dessa trajetória, vi Tainá atravessar gerações, linguagens e formatos — sempre mantendo viva a essência do respeito à Amazônia, aos povos originários e à infância.

Na terceira sequência da franquia em live action, Tainá – A Origem, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente a produtora executiva Virginia Limberger e a diretora Rosane Svartman. Vi de perto o cuidado extremo na criação e na direção de uma história que tratava a infância com inteligência e delicadeza, ao mesmo tempo em que colocava a temática indígena e o contexto amazônico no centro da narrativa — sem folclorização, sem simplificações. Tudo isso atravessado, é claro, por uma discussão potente sobre preservação ambiental e cultura dos povos originários.
Como jornalista e pesquisador da área da infância, vivi um momento especialmente marcante quando Virginia e Rosane apresentaram o primeiro copião de Tainá – A Origem para um auditório lotado de crianças no Festival Internacional de Cinema Infantil de Florianópolis. A reação do público infantil (atenta, envolvida e participativa) deixava evidente que Tainá não era apenas um filme, mas uma experiência de pertencimento e identificação.
A trajetória da personagem fala por si: Tainá – Uma Aventura na Amazônia (2000); Tainá 2 – A Aventura Continua (2004) e Tainá – A Origem (2013)
Após a trilogia live action, a franquia se reinventou e ganhou novos contornos com a série de animação Tainá e os Guardiões da Amazônia, lançada em 2019. Não é à toa que o projeto acumulou prêmios e reconhecimentos internacionais, como o Prêmio Quirino de Melhor Série de Animação Ibero-americana, na Espanha, e o Golden Panda Awards, na China. Esses prêmios não são apenas troféus: são indicadores de qualidade narrativa, estética e ética.
É nesse percurso de amadurecimento artístico que surge o longa-metragem de animação Tainá e os Guardiões da Amazônia – Em Busca da Flecha Azul, que acaba de estrear nos cinemas do país. A direção é assinada por Alê Camargo e Jordan Nugem. O roteiro é de Gustavo Colombo. Assistir a esse filme foi uma experiência ímpar. Revivi toda a saga, mas, desta vez, sob uma nova perspectiva: a de pai.

Levei ao cinema minha filha, Valentina, de apenas dois anos. Confesso que fui com aquela expectativa cautelosa de quem imagina alguns minutos de atenção e muita inquietação, mas fui surpreendido (há testemunhas!). Valentina assistiu ao filme do começo ao fim, completamente envolvida. A animação é interessante, fluida e eficaz em sua narrativa, pensada para dialogar com as crianças pequenas, mas sem subestimar sua capacidade de compreensão emocional e simbólica. E isso é um ponto importante. A criança participa da história e interage.
A sinopse do filme revela sua força: Tainá, treinada pela sábia Mestra Aí, precisa se tornar a nova Guardiã da Amazônia. Para isso, deve recuperar a mística Flecha Azul, um amuleto ancestral capaz de impedir o vilão Jurupari de destruir a floresta. Ao lado de seus amigos, o macaquinho Catu, o urubu Pepe e a ouriço Suri, ela aprende sobre amizade, coragem, diversidade cultural e preservação ambiental.

O formato de animação, conjugando diversas linguagens gráficas associadas à animação 3D, e um roteiro entremeado com músicas dos personagens embalam o filme, fisgam a atenção das crianças e dos adultos, hoje muito mais acostumados à temática ambiental.
Mais do que uma aventura, o filme propõe valores. Fala de cooperação, de escuta, de ancestralidade e de responsabilidade coletiva. Tudo isso com uma estética cuidadosa, personagens carismáticos e um ritmo narrativo que respeita o tempo da infância.
Assistir a Tainá hoje é perceber que a personagem cresceu (e não é que nós crescemos com ela!). Da criança que fui encantado com a sétima arte nas matinês americanas do Tom e Jerry que meu pai me levava aos domingos ao pai que vê sua filha hipnotizada por uma heroína indígena brasileira, há um fio contínuo de afeto, memória e compromisso com o futuro.
Em tempos de tantas urgências ambientais e culturais, Tainá e os Guardiões da Amazônia – Em Busca da Flecha Azul reafirma algo essencial: cuidar da infância é também cuidar do planeta. E poucas obras conseguem fazer isso com tanta sensibilidade, coerência e beleza.




