A Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, celebrou o Dia da Consciência Negra devolvendo brilho, memória e pertencimento à Praça Onze, território simbólico da Pequena África. O local, que carrega séculos de resistência cultural, voltou a ser ponto de encontro de mestres, afetos e expressões artísticas — da poesia ao samba, da arquitetura à literatura — numa cerimônia marcada pela força da ancestralidade e pela afirmação da identidade negra carioca.
Fotos: Beth Santos/ Prefeitura do Rio

A atriz Elisa Lucinda conduziu o evento como mestre de cerimônias. Entre os convidados estavam nomes centrais da cultura brasileira, como a escritora Conceição Evaristo, sambistas, produtores culturais e autoridades. A música deu o tom da celebração, com apresentações da bateria da Estácio de Sá e do Trio Júlio, reunindo público, criadores e lideranças no coração da Cidade Nova, na quadra da Estácio de Sá.
Após a cerimônia, foi realizado um cortejo ate o Centro de Artes Calouste Gulbenkian, acompanhados pela bateria da Estácio de Sá. O trajeto, feito por dentro do Sambódromo, preparava o reencontro com o tradicional Cortejo da Tia Ciata, símbolo da herança afro-carioca. No Calouste Gulbenkian, houve a troca de baterias que marcou a união de dois ícones da cultura negra brasileira. O cortejo seguiu pela Avenida Presidente Vargas até o Monumento a Zumbi dos Palmares, onde ocorreu a dispersão. A chegada ao monumento representou, de forma simbólica e potente, o encontro entre Tia Ciata, figura central da gênese do samba carioca, e Zumbi, líder da resistência quilombola — dois pilares da luta, da criatividade e da liberdade.
Dia da Consciência Negra e a revitalização da Praça Onze
Durante o evento, a Prefeitura anunciou o projeto Praça XI Maravilha, um amplo conjunto de ações que transformará a região e o entorno do Sambódromo. Com investimentos de aproximadamente R$ 1,75 bilhão, o plano inclui a demolição do Viaduto 31 de Março e abre caminho para um novo desenho urbano, tendo como marco central a futura Biblioteca dos Saberes, projetada por Francis Kéré, vencedor do Prêmio Pritzker, o “Nobel da Arquitetura”.

Em seu discurso, o prefeito Eduardo Paes ressaltou o significado histórico da região e a responsabilidade da cidade em honrar o legado da cultura negra: “- A profecia de Grande Otelo e Herivelto Martins revela a alma encantada das ruas, a missão de investirmos na Praça Onze, no Sambódromo, nesta região que também é Pequena África. Este mapa afetivo dos saberes cariocas, desenhado por Heitor dos Prazeres, nunca deixou de existir nos sambas e em instituições culturais como a Estácio. Neste Dia Nacional da Consciência Negra, dia de Zumbi dos Palmares, temos a responsabilidade de estar à altura, no presente, do legado de uma cidade que canta e conta suas histórias”.
Biblioteca dos Saberes
Com mais de 40 mil metros quadrados, a Biblioteca dos Saberes será um dos principais equipamentos culturais das próximas décadas. O projeto une monumentalidade e leveza por meio de cobogós, pilotis e jardins suspensos, criando um espaço aberto, acolhedor e integrado ao cotidiano da cidade.

Segundo Kéré, a proposta é que o edifício seja um local de encontro: ““Pretendemos promover um espaço de diálogo e reflexão. A estrutura não é apenas um prédio, mas uma extensão do Rio, algo que conecta diferentes realidades, como um grande terraço aberto à cidade. Buscamos a construção de um espaço que valorize a história, a reflexão e o encontro”.
Dedicada à memória, à diversidade e à produção de saberes, a biblioteca reunirá teatro, anfiteatro, cozinhas, salas de estudo e áreas expositivas. A torre circular que ilumina o centro da construção, inspirada no manto Tupinambá e nas árvores da vida, reforça a ideia de que cultura e conhecimento são instrumentos de transformação.
O espaço integrará acervos como o do Museu de Imagens do Povo e adotará práticas de mediação cultural inspiradas em experiências internacionais, como o V&A East Museum, de Londres. Localizada no Terreirão do Samba, ao lado do Monumento a Zumbi, a biblioteca reafirma que o patrimônio intelectual da cidade nasce das ruas, dos quilombos, dos terreiros e das rodas de samba.

“Que a Biblioteca seja um ninho de acolhimento. Um lugar de pouso, mas também um lugar onde se batem asas”, destacou a escritora Conceição Evaristo..
Dia da Consciência Negra
No dia 20 de novembro, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, uma data que ultrapassa o simbolismo do calendário para se afirmar como um marco histórico, político e educativo. Longe de ser apenas uma efeméride, o dia se tornou um convite coletivo para refletir sobre o passado escravocrata do país, reconhecer desigualdades persistentes e valorizar as contribuições culturais, intelectuais, artísticas e sociais da população negra que moldam a identidade brasileira.
A data foi escolhida em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência à escravidão. Ao lembrar Zumbi, a sociedade também revisita lutas que atravessam séculos — da resistência quilombola às mobilizações do movimento negro contemporâneo. Para pesquisadores e militantes, o 20 de novembro é um contraponto à narrativa oficial que por décadas silenciou a violência da escravidão e invisibilizou trajetórias negras fundamentais à construção do país.



