Entre demolições e esquecimentos: a desconexão histórica do Rio com o mar e o saneamento

A imagem internacional do Rio de Janeiro é solar: praias, montanhas e mar à vista, mas a paisagem real e histórica da cidade carrega camadas profundas de contradição, exclusão e invisibilização. A reflexão foi feita pela escritora e jornalista Eliana Alves Cruz, que ficou responsável pela mediação do 2º painel do seminário. Eliana trouxe à tona a desconexão entre o Rio e seu litoral e como essa ruptura atravessa séculos de transformações urbanas, racismo estrutural, abandono social e desigualdade no acesso ao saneamento.

“O Rio é uma cidade feita de demolições, destruições, aterros, e mais aterros”, afirmou, relembrando episódios emblemáticos do passado: da demolição da Igreja de São Pedro até o aterramento do Largo da Carioca, que já foi uma lagoa. Segundo ela, o processo de construção da cidade promoveu uma ruptura com a geografia natural e, sobretudo, com sua relação com o mar.

Ela recordou que no centro dessa desconexão está a história da escravidão. Por mais de três séculos, pessoas negras escravizadas foram forçadas a realizar o trabalho de saneamento da cidade: despejar dejetos humanos nos rios e no mar, carregando tonéis sobre os ombros, os chamados “tigres”. “Eles jogavam tudo na antiga Praia de Dom Manuel, onde hoje está a Casa França-Brasil”, destacou. Esse episódio simbólico revela a origem de uma prática de descarte associada à invisibilização de determinados corpos e territórios.

Eliana também discutiu a questão do racismo ambiental e a distribuição desigual dos impactos da degradação ambiental. A ausência de infraestrutura básica — como esgoto tratado e coleta de lixo — persiste em várias regiões do Rio, especialmente nas áreas periféricas. Segundo a jornalista, o saneamento precisa ser entendido como uma questão de segurança pública, de saúde e de justiça social. “Não há como instalar serviço algum em áreas conflagradas. Sem paz, não há infraestrutura”, alertou.

Ao mediar o painel, Eliana também defendeu que a transformação da cidade passa obrigatoriamente pela escola e pela formação de hábitos. “A questão dos resíduos sólidos é da ordem da educação e do hábito. Assim como lavar a louça todos os dias, é preciso criar o hábito de descartar corretamente.”

A jornalista finalizou sua apresentação destacando o poder da linguagem na transformação social. “Toda violência nasce de um discurso. E toda transformação também nasce de um discurso. Antes de fazer, você pensa e fala. A fala antecede a ação. E é aqui, neste espaço da educação, que se começa a mudar o mundo”, conclamou. Para Eliane, com urgência e consciência histórica, a cidade precisa se repensar, não só a partir da sua paisagem turística, mas da sua realidade cotidiana, da memória apagada e das vozes que ainda hoje lutam para serem ouvidas.

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