
Por Suzana Fernandes
Me. em Novas Tecnologias Digitais na Educação. Pedagoga. Preofessora. Especialista em concepção, implantação e avaliação de cursos à distância e em Gestão Escolar.\
Coordenadora Pedagógica da Escola Municipal Octavio Frias de Oliveira da Prefeitura do Rio de Janeiro
Educar nunca foi tarefa fácil, mas na contemporaneidade se torna uma questão ainda mais desafiadora, tanto para docentes quanto para pais e responsáveis. Em meio a necessidade de trabalhar cada vez mais para prover subsistência do lar, há pouca disponibilidade de tempo dos familiares conviverem, dialogarem e se conhecerem mais. O não comparecimento à escola dos filhos, por parte dos pais e responsáveis, dificulta a formação de vínculos afetivos e a parceria necessária para encaminhar o aprendizado das crianças, sobrecarregando a instituição para além do seu papel, na parte que é destinada à família.
No primeiro ano, quando formalmente iniciamos a alfabetização, percebemos mais nitidamente a falta que o acompanhamento familiar faz na vida escolar da criança, acarretando grandes lacunas no aprendizado sequencial e dificultando a aquisição da leitura e da escrita. Pais e responsáveis precisam entender que a escola detém uma parcela pequena do tempo da criança, em geral em torno de 4 a 5 horas diárias, daí, faz-se necessário, um aporte familiar no acompanhamento diário das atividades do aluno.
Outro grande desafio, é a demanda de corpos infantis que não estão preparados para a fluidez escolar, ou seja, crianças que não sabem saltar, correr, pular, rolar, entre outras ações, pois lhes falta um trabalho motor não desenvolvido na primeira infância, em razão do acúmulo de horas que esses corpos ficam inertes frente as telas de celulares, tablets e tvs, deixando de explorar suas possibilidades anatômicas e se desenvolverem. “Criança precisa ser criança” e isto é possível estimulando “o brincar” e não me refiro a jogos eletrônicos, mesmo sendo estes de cunho pedagógico, mas aquelas brincadeiras que estimulam a percepção sensorial, a lateralidade, criatividade entre outros. Relacionando o primeiro, com o segundo aspecto, vivenciamos que o pai/responsável que não brinca e estimula seu pequeno aos jogos e brincadeiras saudáveis, dando um celular para mantê-lo entretido, é o mesmo que não prioriza o tempo para acompanhamento das tarefas escolares, e quando isso acontece, fica subentendida a desvalorização da escola enquanto locus do conhecimento, do trabalho docente e da própria criança. A escola não é o depósito da infância, mas sim, lugar de desenvolvimento e parceria com a família, na formação de um indivíduo.
No paradigma da pós-modernidade, nossos estudantes têm autonomia de buscar informações nas redes sociais, embora grande parte seja superficial, mas é na intervenção docente, na construção dos saberes, suas interrelações, metacognições, até chegar ao ponto mais alto da “Taxonomia de Bloom”, que trata de uma escala da construção do conhecimento, sendo o ponto mais alto, a atividade criadora, ou seja, essa criança percebe, identifica, entende, aplica, analisa, compara e finalmente cria suas hipóteses, buscando a originalidade, tem esse percurso trabalhado no seio escolar, com os mestres que enxergam o potencial de cada indivíduo.
A tecnologia, me refiro à internet e seus mecanismos de busca, aplicativos e hiperlinks são excelentes ferramentais na busca do saber, desde que seu uso seja bem orientado e mediado. A “Inteligência Artificial” pode se tornar um assistente produtivo na tarefa pedagógica, apresentando possibilidades e dirimindo o tempo, porém, as atividades críticas e analíticas precisam ser ensinadas ao estudante, pois o aluno, de posse dos dados fornecidos, precisa saber o que fazer com os mesmos e como aproveitá-los da melhor maneira, interpretando os algoritmos.
Outra situação delicada, que tem acontecido nos grandes centros urbanos, é a insegurança devido aos conflitos, que vêm obstacularizando o acesso dos alunos à escola e a consequente quebra no ritmo de estudos. Infelizmente, esse fenômeno tem a tendência a se acentuar cada vez mais futuramente.
A história nos mostra em dados, que os países que têm sua educação com altos índices de aproveitamento, são aqueles que valorizam a atividade docente e isso passa pelo investimento financeiro e quando me refiro a isso, toco na questão salarial e nas condições de trabalho. Planejar aulas, mobiliza diversas áreas cerebrais, manipulação de materiais, pesquisa e implementação, para que as horas vividas pelo alunado, no espaço escolar, configurem-se em aprendizagens significativas. Esse tempo, destinado ao planejamento, precisa ser reservado para as atividades criadoras e não deve ser preenchido com outras demandas. O que observamos, são docentes que acumulam escolas, turmas, pois precisam buscar um sustento digno para sua família e isso impacta na qualidade da educação. Os cursos de atualização são importantes nessa valorização, mas não a parte fundamental, pois quando há esgotamento, todo elenco de investimento precisa ser revisto.
O cotidiano escolar é muito intenso e requer vigor físico e emocional para o docente manter-se bem e produtivo, durante duzentos dias letivos aproximadamente e essa afirmativa passa pelo descanso, muitas vezes incompreendido por uma parcela da sociedade que desconhece o “chão da escola”.
A pandemia jogou luz na especificidade do preparo docente, quando pais e responsáveis tentaram realizar as tarefas pedagógicas e perceberam que lhes faltavam saberes relativos ao campo da educação. “Educar é um trabalho e dá trabalho”, portanto não pode ser minorado porque lida com crianças, mas ao contrário, deve ser valorizado, porque formamos sujeitos nos seus valores, habilidades e atitudes cotidianamente para pensarem e agirem num mundo cada vez mais dinâmico e complexo. Educar é transformar vidas e apontar perspectivas. É enxergar possibilidades onde não está se vendo.
Por último, e tão fundamental quanto aos demais aspectos, é a questão delicada das crianças atípicas, chamadas outrora de portadoras de necessidades especiais, pessoas com necessidades especiais, especiais, pessoas com deficiência, enfim, seja qual for a nomenclatura defendida no momento, são estudantes que precisam de um atendimento especializado para a sua questão, e a escola, me refiro as instituições públicas e privadas, estão caminhando, se preparando ainda para esse atendimento, desproporcional à demanda crescente.
As escolas públicas têm saído na frente nessa busca, por oferecer um atendimento de qualidade e equânime, em vista do investimento que precisa ser empenhado e das pontes com os estudos e pesquisas acadêmicos. Reconhecemos que ainda há muito que avançar e estamos trabalhando para isso.
Nos últimos vinte anos, aceleradas pela globalização e internet, pesquisas têm sido compartilhadas com mais velocidade o que facilita a difusão de saberes. É importante que haja pessoas preparadas para atuarem junto aos professores, nas salas de aula diariamente, no atendimento das crianças especiais, o que é uma realidade ainda em construção, pois esse profissional é escasso no mercado, em geral pouco remunerado, em contrapartida da grande demanda potencializada pelo direito garantido em lei.
Todos os professores que atuam na escola, me refiro a todos os docentes que ministram os diferentes componentes curriculares, precisam de capacitação em serviço como reza a LDB n. 9394/96, para que os instrumentalizem ao trabalho. É uma tarefa gigantesca, se formos pensar no tamanho do ensino público do nosso país, preparar docentes para lecionar com qualidade, com um público diverso, que precisa de um olhar diferenciado.
Atualmente, atuando na coordenação escolar, constatamos a importância do serviço do SUS na aprendizagem da criança, pois há uma necessidade de uma rede que funcione no tempo exigido ao seu crescimento que é exíguo. A criança ingressa no espaço escolar e inicialmente percebemos que precisa de óculos, pois caso não o tenha, dificulta o seu avanço. Em geral, o responsável não consegue uma consulta em tempo exequível, daí posterga-se em muito tempo a progressão desse estudante e isso acontece com as problemas de oralização aos quais se necessita do profissional fonoaudiólogo e na ausência do especialista o problema se arrasta por anos… Diagnósticos outros, que precisam ser investigados, são lentos e normalmente vêm depois do aluno ter sido reprovado, pois requerem atendimento com profissional específico e exames sofisticados e tudo isso tem custo elevado, obstáculo intransponível para a população que em geral não tem recursos para arcar.
Diante do exposto, chegamos à configuração da sala de aula, totalmente diversa, com um profissional parcialmente pronto a atuar, mas com desejo de realizar uma educação de qualidade. É importante salientar que é crescente o número de professores que têm tido problemas de ordem emocional, devido a tudo que já foi relatado aqui (falta de parceria da família, volume de trabalho acima de sua capacidade, falta de formação para lidar com crianças específicas, falta de descanso e salário digno, falta de mediadores formados e disponíveis para atuarem em sala de aula) que geram grande angústia nos docentes que de fato abraçaram a educação e atuam ao longo dos anos. Quando olhamos para esse quadro e vimos tantos desafios e que conseguimos produzir resultados satisfatórios, a despeito de todas as mazelas, entendemos o quão grande somos como educadores e quão potencialmente poderemos ser, se os recursos forem empenhados nos lugares certos. Parabéns a todos os educadores que em meio as adversidades fazem a diferença transformando vidas, em especial, aos profissionais da educação da escola municipal Octavio Frias de Oliveira pelo excelente trabalho realizado até aqui.